
A usucapião como forma de aquisição derivada da propriedade
Por Matheus Branco – OAB/SC 34.585
A usucapião sempre foi considerada uma forma de aquisição originária da propriedade, já que não há relação jurídica entre aquele que busca se tornar proprietário de um bem em momento atual, com aquele que ostentou a condição de proprietário em momento anterior. Difere-se assim, das formas derivadas de aquisição da propriedade, como a compra e venda, ou a doação, em que o proprietário atual só recebeu este título por tê-lo adquirido daquele que exercia anteriormente as faculdades da propriedade.
Da etimologia da palavra, que vem do latim usucapio, cujo significado é “tomada pelo uso”, pode-se compreender o objetivo do instituto: conferir o título de proprietário àquele que exerce a posse de um bem por determinado período. Em outras palavras, significa privilegiar aquele que de fato usa e goza dos frutos de uma coisa, tornando-a produtiva e cumprindo com sua função social, em detrimento de eventual proprietário registral desidioso e relapso.
O instituto com frequência é mal compreendido por aqueles que não trabalham com o Direito. Visto de fora, parece para muitos um mecanismo para dar legitimidade a atos de ocupação irregular, ou de usurpação de terras à força. Mas esta análise é uma simplificação, e dentro do campo científico, simplificar é sempre mal compreender. A usucapião é mecanismo essencial para regularizar porções de terras que, por inúmeras e imprevisíveis razões, não podem mais ser regularizadas pelos meios ordinários, como a transferência registral, o desmembramento, a incorporação etc.
Sejam os proprietários que falecem, ou os herdeiros que nunca reclamam o bem. Sejam as construtoras que vão à falência, e deixam o processo de loteamento estagnado. O fato é que são inúmeras as situações em que aquele que exerce a posse e pretende usucapir um bem não tem qualquer contrato com o proprietário registral. Como o espaço físico de terra é limitado em nosso território, é preciso encontrar formas de regularizar os imóveis. E aqui entra o papel crucial da usucapião.
Tendo em vista esta função, o judiciário catarinense vem admitindo excepcionalmente a usucapião como forma de aquisição derivada da propriedade, nos casos em que for muito difícil ou praticamente impossível ao adquirente operar a transferência registral com o proprietário anterior. Trata-se de uma importante mudança de paradigma e abertura das possibilidades da usucapião.
A título de exemplo, o Desembargador Relator Raulino Jacó Brunning, ao julgar a Apelação nº 0321682-35.2014.8.24.0023, bem explica a utilidade da usucapião como forma de aquisição derivada da propriedade e regularização imobiliária, em que “o fundamento, no caso dos autos, não é a origem da aquisição do bem, mas, sim, tutelar juridicamente uma situação fática consolidada no tempo, perfazendo verdadeira medida de justiça, de modo a contemplar o dinamismo da realidade social”.
Ainda, no processo de número nº 0302567-60.2016.8.24.0022, foi deferida a utilização da Usucapião diante do falecimento do proprietário, do desconhecimento da localização dos herdeiros e da inviabilidade de realização da adjudicação compulsória. Ainda que tal aplicação do instituto seja muito incipiente, tal interpretação parece ser acertada, já que se volta à verdadeira finalidade do instituto.
Vale lembrar, no entanto, que tal medida deve ser excepcional. Quando há a aquisição derivada da propriedade, haverá a incidência tributária, seja do Imposto de Transmissão Inter Vivos – ITBI para o caso de negócios jurídicos onerosos, seja do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação, para o caso de negócios jurídicos gratuitos. O acionamento da usucapião quando é possível a transferência registral pode ser caracterizado como tentativa de burla ao fisco, medida que será rechaçada pelo Judiciário.