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Interrupção dos efeitos da coisa julgada em matéria tributária: entre a livre concorrência e a insegurança jurídica

Por Pedro Henrique Rizzardi, OAB/SC 57.674

 

A busca por uma decisão judicial, dada uma situação que a demande, como um conflito entre contribuinte e Estado, tem pelo menos um objetivo que lhe é inerente: o encerramento da controvérsia com a declaração de quem está correto naquela disputa.

 

Quando essa decisão judicial se torna estável, ou seja, não desafia mais recursos previstos pelo sistema processual, dá-se a formação da coisa julgada e, com isso, pode-se dizer que o direito declarado em favor do vencedor da disputa não poderá ser novamente alvo de questionamentos (exceção feita às hipóteses de ação rescisória).

 

A coisa julgada é um dos fundamentos sistema jurídico. Conta com previsão constitucional expressa (art. 5º, XXXVI). É decorrência lógica de qualquer ordenamento que se pretenda minimamente estável e previsível, características essas informadoras do sobreprincípio da segurança jurídica.

 

É por isso que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em 08 de fevereiro de 2023, no âmbito dos Temas 885 e 881, trata de uma das maiores e mais impactantes discussões tributárias e processuais da contemporaneidade, porque relativiza o instituto da coisa julgada.

 

A situação que foi objeto de análise pelo STF é basicamente a seguinte:

 

a) Contribuinte ingressa com ação judicial questionando a constitucionalidade da incidência de um determinado tributo em relação de trato sucessivo (isto é, tributo com incidência periódica, como IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, entre outros);

 

b) Contribuinte é vencedor na demanda e obtém decisão judicial declarando a inconstitucionalidade da cobrança, decisão essa que faz coisa julgada;

 

c) Posteriormente, por meio de outro processo judicial, a mesma questão é submetida a julgamento pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso ou concentrado de constitucionalidade e o tributo é declarado constitucional.

 

Dado esse contexto, o julgamento procurou responder: o contribuinte que obteve, anteriormente, decisão favorável com trânsito em julgado, é afetado pela posterior decisão do STF em sentido contrário?

 

Embora o inteiro teor do acórdão ainda não esteja disponível, o julgamento de mérito já foi concluído e a tese fixada foi no sentido de que há interrupção automática dos efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas relações jurídico-tributárias de trato sucessivo, a partir da publicação da ata do julgamento que considerou constitucional a incidência.

 

Ou seja, o contribuinte terá de passar a recolher novamente o tributo, em razão de entendimento superveniente do STF. Os ministros ainda fixaram que a decisão, nesses casos, se assemelharia à instituição de um novo tributo, de modo que teriam de ser observadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza da exação.

 

Muito embora se trate de decisão polêmica e, num primeiro olhar, em dissonância com o instituto da coisa julgada, há outro valor constitucional muito caro em jogo, que se trata da preservação da livre concorrência e isonomia entre as empresas (art. 170, IV). É que a prolação de decisões opostas entre si acaba por provocar desarranjos no sistema jurídico, privilegiando aquele que teve a fortuna de receber o provimento judicial em detrimento daquele que, em igual condição, não teve a mesma sorte.

 

É o que aconteceu, por muitos anos, com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (pano de fundo do julgamento), tributo hoje sabidamente constitucional e exigido das empresas, mas que na década de 90 e anos 2000 foi objeto de questionamento por diversos contribuintes. Alguns poucos sagraram-se vencedores nas disputas, obtendo declaração de inconstitucionalidade. A grande massa, por outro lado, teve de se submeter à decisão proferida pelo STF, em 2007, pela constitucionalidade da CSLL.

 

Revela-se, assim, com clareza, a ofensa à liberdade concorrencial e à neutralidade tributária ao permitir que o sistema alivie as exações em relação a uns, mas não em relação a outros.

 

Verdadeiramente lamentável, entretanto, foi a inocorrência de modulação de efeitos para decisões já proferidas. Embora tenha sido fixada a irretroatividade e respeito à anterioridade anual e à noventena ou à anterioridade nonagesimal, até o momento não houve modulação dos efeitos da decisão para os casos em que já há decisão do STF em sentido contrário a conquistas individuais de contribuintes.

 

Dessa forma, no caso da CSLL, por exemplo, os contribuintes terão que recolher valores de forma retroativa, contando-se o marco inicial o ano de 2007 (ano da decisão de constitucionalidade pelo STF).

 

Outro caso exemplificativo é a incidência de contribuição previdenciária sobre a verba trabalhista do terço de férias. Inicialmente, havia jurisprudência consolidada em sede de recurso repetitivo pelo STJ (Tema 479), por meio do qual aquele tribunal havia definido que não há incidência da contribuição, por se tratar o terço de férias de verba indenizatória. Acontece que a questão ascendeu ao STF (Tema 985 ), que proferiu entendimento contrário, em agosto de 2020, declarando a constitucionalidade da exação. Nesse exemplo, as empresas que contavam com trânsito em julgado serão compelidas a recolher a CPP sobre o terço de férias a partir de agosto de 2020, respeitada a irretroatividade, anterioridade e nonagesimal.

 

Afirma-se que é lamentável a inocorrência da modulação porque, até o presente momento, não havia sinalização do STF acerca da possibilidade de quebra automática da coisa julgada. Aliás, a jurisprudência existente era oposta, nesse sentido, privilegiando o respeito à coisa julgada, a teor da tese fixada no julgamento, com repercussão geral, do RE 730462, leading case do Tema 733, em que assim se decidiu:

 

“A decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das decisões anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que tal ocorra, será indispensável a interposição de recurso próprio ou, se for o caso, a propositura de ação rescisória própria, nos termos do art. 485 do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495)”.

 

O contribuinte foi, portanto, surpreendido de pelo estabelecimento de nova orientação, em relação à qual há grande impacto social e econômico. Trata-se de hipótese que permite a modulação de efeitos, a teor do art. 27 da Lei nº 9.868/99 e do art. 927, § 3º do CPC/2015. Apesar de não ter havido modulação, o julgamento não terminou e poderá haver oposição de embargos declaratórios, cuja definição eventualmente trará mudanças quanto a este tópico.

 

Entre a livre concorrência e a segurança jurídica, era necessário que o STF enfrentasse o assunto dos Temas 885 e 881. Seu julgamento, como não poderia deixar de ser, torna-se paradigmático e suas razões de decidir deverão ser cuidadosamente analisadas quando da publicação do acórdão, vistos os potenciais impactos, inclusive, para outras áreas do direito.

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